#9 Encontro Videográfico: 25, 26 e 27 de Novembro 



Rita Figueiredo 




Silêncio de dois sons (2010)vídeo HDV, som, cor, 15'


Conversa com Miguel Valverde dia 25, 5ºfeira, às 19h







ALICE NO PAíS DAS TECNOLOGIAS

No momento em que escrevo, o vídeo a apresentar na próxima edição da Téléthèque não se encontra ainda finalizado. Este vídeo será o resultado dum repto lançado à Rita Figueiredo para elaborar e apresentar um novo trabalho (é evidentemente muito mais do que isso). É a quente portanto que escrevo e a conversa será também a quente: é sabido que no processo de criação estão implicados elementos que por vezes só se revelam com o distanciamento. Mas adiante.

Vídeo, vídeo arte, videografia, arte em movimento, documentário, curta-metragem, animação, são termos com os quais nos vamos esbarrando e que encerram neles campos com fronteiras permeáveis, noções às quais uns se agarram, outros subvertem, outros tentam redefinir ou salutarmente ignoram. Do uso do vídeo em instalações, ou em complemento de um trabalho escultórico, à elaboração de dispositivos complexos e sofisticados ou de narrativas dignas de sala de cinema, as declinações deste meio são infinitas e, qualquer esforço na denominação exacta da categoria na qual se enquadra uma obra não é mais do que uma tentativa descritiva, de restituição na ausência da obra em si.
O percurso da Rita Figueiredo levar-nos-ia a classificar o seu trabalho de curta-metragem, mas isso fecharia a obra num circuito específico, com um público e com uma abordagem ao vídeo, específicos também. É o que se tenta aqui contrariar. A curta-metragem é um filme curto, esta terminologia chega-nos da altura em que os filmes se mediam aos metros, ou seja, tinham um suporte material, eram fita enrolada em bobine, e exigiam aparatos técnicos pesados, meios financeiros avultados e equipas de trabalho diferentes para cada etapa da realização. Definir conceitos e terminologias é um exercício académico mais ou menos fastidioso que levanta porém questões e permite pelo menos aqui dizer que este vídeo não se inscreve exactamente em nenhuma categoria usual: estamos perante um trabalho que usa procedimentos e um imaginário do cinema e também das artes plásticas. Tudo numa realização iminentemente caseira. É claro que quem diz caseiro, hoje, diz câmara, computador, internet... O que com um propósito e uma dead-line alarga em muito, o leque das possibilidades.

“Silêncio de dois sons” não necessita do paratexto a que nos habituámos nas artes plásticas e escapa também ao jogo de convenções que define o cinema, sem perder alguns dos ensinamentos de cada uma das áreas: do cinema uma destreza e fluidez na montagem, exigência na qualidade das imagens que nos são oferecidas e consciência do impacto que o som tem nas imagens ao acentuar ou conferir-lhes novo sentido; das artes plásticas talvez uma liberdade na narrativa, no colectar, reciclar e associar imagens de diferentes texturas. E o pensar no campo do sensível.
Tudo começa com a história duma mulher que vai atrás de um som e se perde numa floresta tornando-se um eco, segue-se um pedido de silêncio “que o bebé está a dormir” e o silêncio que resulta na conjugação de dois sons. E depois, há um entrelaçar das histórias, associações e interrogações, por via das imagens com uma litania. O processo de elaboração deste vídeo adivinha-se ter sido um vai e vem entre imagens de diferentes proveniências, found footage, umas do arquivo da videasta outras resgatadas da net, do campo da ciência, e novas filmagens (sempre sem sair de casa), produzindo à medida da montagem, o texto da voz off. Mas o texto, assim como o som, também seleccionam e moldam as imagens, e vice-versa. Este processo de trabalho delicado e longo é orgânico e resulta numa vertigem em que tudo se liga.
A narrativa é uma digressão (ou várias digressões) que parte de pistas concretas, tal como Virgínia Woolf em “Buraco na Parede”, mas noutro contexto (passo o eufemismo), numa procura de entender a origem da criação do mundo cuja imagem talvez resida ainda no sonho dum recém-nascido. Existe um paralelo com a escrita automática surrealista mas num estado consciente e alerta: um labirinto reflecte-se numa orelha que lembra um feto, o remoinho no cabelo lembra um ciclone, a espiral/o mantra da voz off, o espirro/a poeira, a partícula/o ouro, o sol/o fractal... É assim, mas de forma mais complexa e cósmica, num imaginário híbrido, que se vão percorrendo estas imagens e narrativas, como no labirinto do questionamento sobre a origem do mundo que, não é novidade, leva a um vazio.

Olhemos para outra obra, um momento de viragem de um romance de uma escritora japonesa. A personagem principal Riruko, no culminar duma série de contrariedades, corre na floresta até encontrar uma clareira com uma árvore gigante no meio e um buraco no tronco: Como já esperava, a noite aproximava-se no céu. Virei-me para a direcção de onde tinha vindo mas havia somente a extensão do bosque silencioso.
Estendi a mão na gruta. Não senti nada. Não estava lá nada que me pudesse servir de apoio. A extremidade dos meus dedos errava sem se poder pousar na obscuridade.[1]
Depois deste momento simbólico, a história prossegue mas na direcção do desenlace.
Não é também num buraco debaixo duma sebe que cai a Alice? E se as janelas do ecrã fossem as portas que Alice vai abrindo num sonho que se mistura com a realidade?

E se recomeçássemos agora do início? Vamos esquecer as classificações e definições, afastar as referências e os “cripto-conceptualismos”. Ver a versão final do vídeo e desejar as boas vindas à(s) criatura(s).

Catarina Marto



[1] OGAWA, Yoko, “Les tendres plaintes”, 1996, tradução rose-Marie Makino e Yukari Kometani, ACTES SUD, Arles, 2010, p134, traduzido para português.


Notas Biográficas:

Rita Figueiredo (Lisboa 1977) Vive e trabalha em Lisboa. Entre 1996 e 2000, reside em Londres e estuda Artes-Plásticas na Middlesex University onde começa desde logo a dedicar-se ao áudio-visual. De seguida, tira um curso de realização de cinema de três meses na New York Film Academy. De volta a Lisboa, trabalha no campo do cinema e vídeo, desempenhando diferentes funções/profissões nesta área, das quais se podem destacar a montagem de vários documentários e curtas, e a programação de curtas-metragens do Festiva IndieLisboa (2008-2009 e 2011). Da sua videografia, as ultimas realizações são “Ken, the mechanical man” (2007, One Minutes Film, F.C.Gulbenkian) e “Logro” integrado no festival de Curtas Metragens de Vila do Conde (2005) que circulou em vários festivais nacionais e internacionais (Ovar vídeo, Fantasporto, Paris ToutCourt, BUDI na Coreia do Sul, EMAF na Alemanha, Vídeo Evento emTurim, etc.).

Miguel Valverde (Portimão 1971) Licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, com especialização em Direitos de Autor. Foi programador da secção de curtas metragens no FICA - Festival Internacional de Cinema do Algarve (entre 1996 e 2002) e no festival de Cinema de Skopje (Macedónia, entre 2002 e 2005), em simultâneo, colaborou com a Zero em Comportamento e esteve envolvido na Restart onde, entre outros, exerceu as funções de director de comunicação. Foi júri em diversos festivais internacionais e palestrante em seminários em Portugal e no estrangeiro sobre curtas metragens, promoção de cinema e organização de festivais de cinema e formador em cursos e workshops, sendo actualmente formador na área de Direitos de Autor. É fundador e um dos directores/programadores do IndieLisboa, Festival Internacional de Cinema Independente de Lisboa.