#4 Encontro Videográfico: 15, 16 e 17 de Abril 


Herwig Turk



Hands on (2010), versão um canal, 4’35’’ loop, s/ som, PAL, 4:3



Conversa com Natxo Checa dia 15, 5ºfeira, às 19h




1. Gesto por defeito (template)

On peut observer, concrètement, comment l’homme est dans le monde, si on observe comment ses mains bougent.
Vílem Flusser, in Les Gestes

O gesto pode ser considerado na esfera existencial como uma reacção natural a um estímulo. Entendido deste modo teríamos que recorrer primeiro a uma epistemologia do estímulo, ou daquilo que estimula, e por conseguinte observar os gestos que se despoletam: então ao gesto haveria de se dar um nome que tanto o identifica como o pluraliza, por exemplo, “o gesto de barbear, o gesto de escrever, o gesto de destruir, o gesto com vídeo, o gesto de telefonar”, etc. A observação dos diferentes gestos do quotidiano serviria como instrumento amplificador e pertinente para a exploração transversal das mutações da sociedade, ou seja, por entre as observações dos velhos ou dos novos gestos adivinharia-se um “gesto tecnológico” que supostamente decifraria um homem futuro que não existe à nossa maneira. (Assim nos lembra Flusser, recorrendo a uma abordagem antropológica[i].

Não é a primeira vez que Herwig Turk videografa gestos. No vídeo “Setting04_0006” (2006) , em co-autoria com Paulo Pereira, Beatriz Cantinho e Günter Stöger, são encenados num laboratório científico. As mãos e os braços portadores de gestos estão vestidos por luvas e batas brancas, actuando num plano de fundo cartesiano. A encenação é relativa a todos os pormenores de construção de um plano fixo, mas também ao pedido de efectuar um gesto específico e identificável. Trata-se de repetir quatro vezes a preparação de um “western blot”, uma técnica de biologia celular que permite a detecção e a identificação de proteínas. Ao procedimento técnico retiraram-se as ferramentas e fica a impossibilidade do rigor, do compasso certo e da reprodutibilidade. Ainda inscrito no espaço científico, avisa-nos também que para além da vestimenta existe um corpo que tenta ser operativo, gesticulando por defeito. É a sobreposição das quatro observações videográficas dessa mesma técnica despida de objectos que torna expressivo outro movimento: o ritual implícito no “transe maquínico”[ii]. O “western blot” é um procedimento regular e reconhecível do trabalho científico, mas apresentado assim entrega-se a uma transversalidade: a de pensarmos as tecnologias, a técnica e os procedimentos mecânicos e industriais enquanto estímulos de gestos frenéticos, automáticos e (des)controlados. Aquilo que Agamben chamou de “proliferação de tiques, de espasmos, de contorções,(...)”, ou melhor, “(...) tremuras em que a musculatura parece dançar sem nenhuma finalidade motora”[iii].

2. Ampliação do gesto

"Hands on” (2010)[iv] é o vídeo que Herwig Turk, em co-autoria com Paulo Pereira, traz à Téléthèque, podendo ser entendido como um prolongamento de “Setting04_0006” (2006). O que se representa é o mesmo, agora interpretado por quatro cientistas num ecrã dividido ao meio que salienta diferenças de performatividade da coreografia gestual “western blot”. Essas diferenças quase fisionómicas são essenciais para entendermos que para além de cientistas estão ali indivíduos a interpretar uma operação que parecendo técnica, já não o é.
Despidos das luvas e da bata branca, os gestos ficam suspensos na sua própria medialidade. Neste sentido a abordagem é mais radical, pois, neste reforço da retirada das referências que possibilitam a identificação de uma especificidade, assistimos a uma ampliação daquilo que se entende por gestualidade. Não tanto devido ao desaparecimento formal do plano de fundo cartesiano e das ferramentas prolongadas das mãos, mas devido a esta estranha suspeita: o eventual desaparecimento do estímulo maquínico. Em “Hands on” o gesto não se inscreve na esfera da finalidade, está antes solto na sua própria exibição, cumprindo apenas “o ser-na-linguagem do homem como pura medialidade”[v].

3. Fantasmas

“Hands on” (2010) coloca-nos em posição de observar gestos, de os registar e de os memorizar. O ponto de partida é a prática do laboratório científico, sítio hermético e, hoje, sítio da representação por excelência. Este vídeo, antes de tudo, procura entender o que resta de humano neste espaço de exactidão técnica que incorpora procedimentos mecânicos que treinam acções, fazeres, gestos e mentes. A videografia revela a motorização de um certo contexto, ao mesmo tempo que o amplia ao plano existencial. Do desmantelamento materialista resta então a falha, a incerteza e a imperfeição.
Mas não parecem todas estas mãos ligadas a uma máquina? A uma máquina-fantasma? Já sem corpo, continuando a fornecer ritmo? Não será o gesto humano reflexo de gestos produzidos por outros gestos?
Os membros gesticulantes de saída do laboratório correm riscos, circunscrevendo outros espaços e outros corpos como operadores de estímulo: que seja o sistema no qual vivemos que nos programa. Os membros cortados não deixam de enunciar também tudo o que ali falta e desapareceu: fantasmas de um corpo-máquina. Ou seja, a actual (in)existência de um corpo-homem autónomo. Sendo que o radical reside na possibilidade daqueles gestos não estarem a dizer nada.

Aida Castro



[i] (1999) Flusser, Vílem, Les Gestes, Cergy-Paris, D’ARTS éditeur e Éditions Hors Commerce.
[ii] Ver, (2006) Ferreira, Pedro Peixoto, “Transe maquínico ou: o que pode uma máquina?”, in Revista Nada nº 8, Lisboa, UR - Urbanidade Real, pp. 74-76.
[iii] (1997) Agamben, Giorgio, “Notas sobre o Gesto”, in Inter@ctividades, Coord. Maria Teresa Cruz, CECL/FCSH-UNL e Câmara Municipal de Lisboa-Departamento de Cultura, pp. 16-21.
[iv] “Hands on” (2010) é a versão com um canal 4:3 . “Hands On” (2009) é a versão dois canais 16:9 vertical, apresentado na exposição “O Laboratório Invisível” (2009) no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra.
[v] Cit. (1997) Agamben. 


Notas Biográficas:

Herwig Turk is an artist in the field of new technology from Austria, he is currently based in Lisbon, Portugal. In the last years, beside his own successful body of work, which has been presented at venues like Museu da Ciência Coimbra, Georg Kargl Fine Arts Vienna, Neues Museum Weserburg Bremen, TESLA Laboratory for Media Art Berlin, Museum of Applied Arts / Contemporary Art Vienna , Transmediale Berlin or Bienale for New Media Seoul. He has been foremost involved in interdisciplinary art projects like HILUS .Currently, Herwig Turk is working on another major project on the verge of art and science, blindspot , together with the Portuguese Scientist Paulo Pereira. 

Natxo Checa é responsável pelo programa de artes visuais da Galeria Zé dos Bois, centro de criação, produção e difusão de arte contemporânea.
A par de uma carreira repleta de iniciativas mirabolantes e de cruzamentos com a criação contemporânea, o productor/curador Natxo Checa, tem-se dedicado os últimos anos a acompanhar, numa longa e estreita relação, uma série de projectos e artistas na prossecução de enriquecer a experiência humana, o desafio intelectual e as possibilidades de produção. Com o impulso e vontade de uma criança tem desafiado artistas a produzir trabalhos laboratoriais em localidades e culturas excêntricas. Após um período de investigação e a modo de resultado, têm-se constituído sob cariz curatorial, mostras alargadas e propositivas de arte contemporânea. As mesmas, permitiram por um lado, uma leitura privilegiada dos avanços lançados pelos criadores, por outro, solidificar os seus percursos. Os seus mais recentes comissariados incluem Swim again / Nada de Novo de Rigo 23 (2006) co-comissariado com ManRay Hsu, Eflúvio Magnético Síntese de João Maria Gusmão e Pedro Paiva (2004/2006), “G” de João Tabarra (2007), Transitioners de Société Réaliste (2007), Abissología de João Maria Gusmão e Pedro Paiva (2007/2008), Portobello de Patrícia Almeida (2008), Ontem de André Cepeda (2008), Inércia de Alexandre Estrela (2009), Ciclo Kenneth Anger (2009), Experiências e Observações em Diferentes Tipos de Ar de João Maria Gusmão e Pedro Paiva (2009). Em 2010, acaba de finalizar um acompanhamento de três meses de residência de artistas, encontra-se presentemente a organizar o resultado de dois anos de trabalho com Alexandre Estrela, a preparar uma exposição individual de Eduardo Matos e outra de Gonçalo Pena, e a trabalhar intensamente numa série de curtasmetragens com Gabriel Abrantes.