#5 Encontro Videográfico: 6, 7 e 8 de Maio 


Cristina Mateus




À Espera (versão 2, 3 e 4) (2010), Mini-DV transferido para DVD; som, stereo, cor, tempo variável. 


Conversa com Alice Geirinhas dia 6, 5ºfeira, às 19h





Resistência à Espera


              “O que é real é a mudança contínua da forma: a forma é apenas uma fotografia  de uma transição.
 Henri Bergson


A forma, enquanto proposta temporária, enuncia-se na obra videográfica que Cristina Mateus apresenta na Téléthèque. A experiência estética da perpétua mobilidade, da fluência infinita, da contínua transição em que as formas, segundo Henri Bergson, são “momentos colhidos ao longo da duração”[1], toma aqui corpo no fazer artístico, como procura incessante que se quer exposta e que reverte o processo em finalidade.
Em “À espera”, a mutabilidade não se oferece simplesmente pelo movimento inscrito na imagem videográfica, mas igualmente pela possibilidade concreta de acedermos a uma obra multiforme. Três versões, uma para cada dia de exibição. Mais dias houvesse outras e novas formas tomaria este trabalho.
Mas a metamorfose que este vídeo assume nas suas múltiplas versões, não restringe a sua potência de se afirmar. Mais do que uma obra aberta, esta é uma obra em aberto, pois para além de se expandir e actualizar através da sua subjectividade interpretativa, oferece-se igualmente enquanto um efectivo campo de possibilidades. Se, para Umberto Eco, a obra se encontra aberta à fruição do espectador a partir do momento em que se encontra formalmente encerrada[2], neste trabalho será a própria artista a propor-nos os gestos de actualização sobre a mesma. Assumindo-se enquanto espectadora (in)satisfeita do seu próprio trabalho, Cristina Mateus oferece-nos matéria recombinatória passível de fluir em múltiplas propostas formais.
Assim, os momentos distintos que compõem este(s) vídeo(s), apesar de se poderem intersectar enquanto episódios constituintes de uma pretensa linearidade narrativa, ressaltam pela sua identidade própria. Em que cada um sugere estabelecer o seu próprio enunciado, independentemente do partilhar de estratégias composicionais comuns e assumidas entre si.
Dois planos fixos, não sequenciais. Uma imagem de um prédio urbano, em que a expectativa de estarmos perante uma imagem fixa é quebrada, tanto pela oscilação ténue dos ramos de uma árvore, como por uma cortina de uma janela que se abre e fecha, num movimento repetitivo de ocultação que indicia o seu interior. Um plano fixo de uma sala-atelier, em que a presença humana apesar de ausente é intensificada pela disposição dos vários objectos (a mesa, a cadeira, a porta aberta, as obras embaladas). Aqui será o som a quebrar o estatismo da imagem, propondo um tempo fluído que não é revelado pelo movimento.
Dois outros momentos, não sequenciais, nos quais a celeridade do corte induz velocidade à imagem. Num, portas que se abrem e fecham, sempre as mesmas portas de ângulos diferentes? Cortes que enfatizam o mesmo momento, um retorno às mesmas imagens. Noutro, os mesmos carros, o mesmo espaço, as mesmas imagens? Uma sucessão de planos que sugerem retornar a eles próprios, de uma dissemelhança quase imperceptível. O cruzamento, a entrada numa rotunda, a mudança de via, momentos de abrandamento, compassos de espera, que a própria velocidade da interrupção anula.
E se se puder vislumbrar algum tédio no intervalo da espera, todos estes momentos de intenso entrecortar assumem mais o tédio da espera, do que qualquer plano fixo por menos acção que ele contenha. Ao eliminar a expectativa — em si, um modo activo de assumir a suspensão — a interrupção constitui antes um gesto de resistência à espera. Como se esta nada tivesse a oferecer. Como se a ansiedade pudesse preencher todos os espaços expectáveis. Como se não fosse mais possível encontrar, nos momentos de espera que regulam o quotidiano, o interesse de uma supressão da acção em favor de uma intensificação do tempo.
Em limite, como se nos tivesse sido vedada a hipótese de nos juntarmos a Estragon e a Vladimir[3], pois não há razoabilidade de não saber o que se espera nem porque se está à espera.

Pozzo: Quem é esse Godot?
Estragon: Godot?
Pozzo: Tomaram-me por um tal Godot.
Vladimir: Não, não tomámos, meu senhor. De maneira nenhuma, meu senhor.
Pozzo: Quem é esse Godot?
Vladimir: Oh... é um... é uma pessoa conhecida.
Estragon: Qual quê. Mal o conhecemos.
Vladimir: Pois é... de facto mal o conhecemos...mas enfim...
Estragon: Cá para mim, seria incapaz de o reconhecer, se o visse.
Pozzo: Mas confundiram-me com ele.
Estragon: O senhor compreende... a escuridão... o cansaço... a fraqueza... o estar à espera... de facto, devo confessar que assim de repente... me pareceu...
Vladimir: Não lhe dê ouvidos, meu senhor, não lhe ligue importância!
Pozzo: À espera? Ah, então estão à espera dele?!
Vladimir: Bem...


Maria Mire 



[1] Henri Bergson A Evolução Criadora. Lisboa: Edições 70, 2001: 280.
[2] Aliás, segundo Umberto Eco, a obra aberta estabelece um quadro informal que visa “iluminar certo tipo de relação entre obra e fruidor, o momento de uma dialéctica entre a estrutura do objecto, como sistema fixo de relações, e a resposta do consumidor como livre inserção e activa recapitulação daquele mesmo sistema”, in Umberto Eco. Obra Aberta. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976: 27.
[3] Samuel Beckett. TEATRO DE SAMUEL BECKETT: À ESPERA DE GODOT: FIM DE FESTA: A ÚLTIMA GRAVAÇÃO. Lisboa : Arcádia, [s.d.]: 32-33.


Notas Biográficas
Cristina Mateus Porto, 1968.
Curso de Artes Plásticas - Pintura da ESBAP. Mestrado em Arte Multimédia da FBAUP.
Desde 1986 desenvolve uma intensa e regular actividade artística, tanto individualmente como em colaboração com outros autores. Fundadora da VIROSE (www.virose.pt).
Últimas exposições individuais: 2007 Conta-me coisas, Galeria Fernando Santos, Porto. 2008 Imagens caligráficas, IN.TRANSIT # 37, Porto
Algumas exposições colectivas: 2005  Penthouse – uma ocupação temporária, Rua de Ceuta, 16, Porto. Em fractura — Colisão de territórios, Projecto Terminal, Hangar K7, Fundição de Oeiras, Oeiras. Project wall, Matéria Prima, Porto. 2006 PHOTOESPAÑA 2006, Momentos da vídeo arte portuguesa contemporânea, Conde Duque, Media Lab, Madrid. Teleférico-Cais de Embarque, Teleférico, Guimarães 2007 Paisagem Contemporânea Portuguesa – Riad, Arábia Saudita. Antimonumentos, Galeria António Henriques, Viseu."Sem rede", Galeria da Universidade, Braga; "Stream", White Box, New York, U.S.A. 2008 “Linha do Horizonte: o motivo da paisagem na arte portuguesa contemporânea”, Caixa Cultural, Rio de Janeiro, Brasil.

Alice Geirinhas nasceu em 1964, em Évora. Licenciatura (1984-89) Artes Plásticas-Escultura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Mestrado em Práticas Artísticas Contemporâneas na Faculdade de Belas Artes do Porto. Curso de cinema de animação da Fundação Calouste Gulbenkian. Premiada em 1990 no Cinanima, Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho com o prémio Jovem Cineasta Português com o filme de animação, Uma História de Amor. Foi professora de ilustração na Fundação Calouste Gulbenkian (1995-1997) e na escola de arte Ar.Co (2000-2005). Foi programadora e coordenadora da área de formação na Bedeteca de Lisboa (2001-2005). Actualmente é professora de Desenho de Design e Multimédia da Faculdade de Ciências e Tecnologias de Coimbra. Como artista tem participado e desenvolvido projectos artísticos desde 1986. Nos anos 90 destacou-se como ilustradora de imprensa, tendo sido publicado Alice que reune a obra gráfica desse período. Actualmente trabalha en projectos dedicados ao desenho e à instalação visual.